terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Sobre Câmara de Lobos



Imagem: Domingo de Um Pescador em Câmara de Lobos de Jean Dieuzaide(1956)

Aqui, valter hugo mae (escritor de excepcional qualidade, leiam o seu apocalipse dos trabalhadores) fala sobre Câmara de Lobos, a minha terra natal - onde cimentei a minha identidade vincada por uma baía de pescadores e pelas serranias de casas dispersas -, elogiando a sua nouvelle vague arquitectónica que responde aos preceitos estéticos de enquadramento paisagístico. À excepção de um parque de estacionamento na Praça da República (nome que predomina, embora a edilidade camarária quisesse modificar a toponímia por Praça da Autonomia), que tapou a vista que tínhamos do Cabo Girão, no percurso que vai da porta da igreja até à Praça, os novos edifícios são de salutar pela beleza das linhas sóbrias e pela sua funcionalidade. O Ilhéu - local onde andei no jardim de infância, na escola primária e onde morou os meus avós maternos - desenha-se agora como um verdadeiro jardim suspenso no mar, com a encosta recortada por casas recuperadas.
Não é de agora que Câmara de Lobos impressiona pela sua beleza física. Mas, devo confessar que a sua face real, a sua beleza intrínseca, essa ainda está por explorar e mostrar ao mundo as verdadeiras cores da sua identidade. Falo no seu povo - claro - que durante muitos anos, digo mesmo séculos, foi escondido, posto de parte, visto por muitos insulares e continentais como a mancha negra da ditosa e epitetada Pérola do Atlântico.
Povo diferente dos demais conterrâneos, com outros sentidos de pertença, cuja vida se debruça no impulso e na felicidade momentânea, com religiosidade bem vincada, embora na prática (no dia-a-dia) seja um pagão festivo.
Estas são características que nunca vi serem enaltecidas, demonstradas, espelhadas em estudos de diferentes índoles ou então na literatura.
E o povo não espera, esvai-se aos poucos o seu sentido matricial, voltando-se assim para novos sentidos, mais funchalenses, estes sempre aceites por la movida do concelho-mor e da pseudo-intelectualidade madeirense, que viu e vê em Câmara de Lobos um ser menor, pobre, bêbedo, drogado e desbocado.
Quem me dera ter metade do talento de um Gabriel Garcia Marques, pois material para o meu Cem Anos de Solidão câmaralobense não faltaria com certeza. Mas o tempo passa e a inspiração nunca veio, nem nunca chegará....

2 comentários:

poneymae|@yahoo.com.br disse...

Adorei teu blog e os videos.Vou continuar acompanhando teus pensamentos. Tenho um filho escritor que trabalha com cinema e uma filha cantora.Dá uma olhadinha no blog deles.Vais gostar.Um abraço.
www.macacobrabo.blogspot.com
www.shanamuller.blogspot.com

Duarte Freitas disse...

Agradeço imenso as suas palavras. Esteja à vontade, esta também é a sua casa.

Tive nos blogue que me indicou, a sua filha tem uma voz bonita e o seu filho escreve de uma forma descarnada e super interessante.

Gosto muito do vosso português escrito com a doçura tropical tão característica do Brasil, tão ao jeito de um dos maiores escritores de Língua portuguesa de sempre, o grande poeta João Cabral Neto.

Inté.