segunda-feira, 30 de abril de 2007

Para os cronistas vindoros

A verdade é um erro à espera de vez.



Vergílio Ferreira, Aparição.

Pedro, os teus pecados serão perdoados...




Mesmo sendo ateu, atrevo-me a ministrar a sua absolvição (a quem negou XPO três vezes... e o galo cantou...) mediante tal transpiração musical, composta por um dos pais da música ocidental. Neste vídeo, a devida prostração não ficou em mãos alheias. Michael Chance confirma ao vivo que é um dos melhores contratenores da actualidade. Já o tinha feito em gravação de estúdio da mesma obra, já lá vão uns anos, dirigida pelo Sir J. E. Gardiner.


Erbame dich, Paixão segundo São Mateus (J.S.Bach)

Rasgar papéis pretéritos...

- Vai Fernão Lopes! Sobe a escada encadeada de degraus em pedra, sobe a ígreme torre de muitas "Babilónias" e procura a entrada que te levará ao destino previamente consultado e aferido pelas tuas mecânicas sinopses nervosas… vai Fernão Lopes! Procura nesse nicho os papéis perdidos de antigos ânimos e de ulteriores mensagens pacificadoras, crónicas esquecidas, cartas de compra e venda em ABC, cartulários, chancelarias régias, registos de uma nação que, por impertinência alguma, poderá ser ultrajada e esquecida…vai Fernão Lopes… selecciona, cruza, encontra na tua anamnesis os plágios da tua sedução… vai Fernão Lopes… entrega-te ao caos de um destino… Descansa! Os escrivãos vindouros saberão encontrar a(s) inconveniente(s) verdade(s), porque existirá para sempre um documento que não se destrói, pleno de inconsciências, e as almas de probidade incansável, na sua busca dos limbos pretérios, conscientes dirão:

- Quis veritas?


- Vai Gomes Eanes de Zurara! Vai ...

domingo, 29 de abril de 2007

Ela Canta, pobre ceifeira

Escutar, ao longe, uma mulher que, na sua lide quotidiana (no ardor cíclico do seu mundo), exprime em mezzo voce um cantar genuinamente popular, traz a mim a consciência dos tempos primordiais. Não falarei aqui das coisas primeiras que, como diria um poeta, seriam verdes ou azuis, com água pela cintura... (António Franco Alexandre) não pretendo tal imagem desbotada pela sólida imaginação de quem o pensou inicialmente e escreveu… procuro sim perceber de onde vem aquela melodia ancestral que preenche os tímpanos trazendo algo com que me identifico… procuro olvidar as razões de uma remota reminiscência genética que brota e se eleva no meu pensamento como o vento que toca ao de leve na face e segue o seu caminho depois de subtilmente nos afectar os sentidos…Não quero saber porque canta…não sou suficientemente astuto para formular tais teses a que nem Pessoa, a meu ver, ambicionou realmente responder… Qual a razão para esse canto me provocar e me elevar até às líricas rodas ancestrais da vida? tão cíclicas como a minha presente escrita, que ainda não fugiu a essa interrogação e repete-a sem cessar até à exaustão…
(…)
- Porque o poder do homem é desconhecido…
- Porque o poder da alma é majestoso…
(…)
Porque possuo dentro de mim um sentido de pertença que se activa facilmente com tudo o que se ergue e me traga um sabor culturalmente genuíno do contexto espacial natal… faz com que me aperceba que não sou verde ou azul, com água pela cintura, mas sim, como outros que vivem a meu lado, um reservatório pretérito de uma alma original que, num mito de movimentos giratórios (quase um verdadeiro samsara), penetrou no coração de uma colectividade e, com ela, permaneceu em rito sem sair desta realidade espiral do tempo.
Na amargura quotidiana desta vida, alguns desses reservatórios de água (que só cresce com a nossa atenção) perdem-se no tempo e se libertam finalmente das constantes reencarnações, não por ter atingido a perfeição de um Brahman, nem mesmo por ter expurgado os pecados do mundo ou ter atingido o seu futuro histórico. Afundam-se pela nossa falta de atenção para com as coisas primordiais, para o cuidado da nossa alma … do nosso bairrismo sadio.
Na ânsia presente deste mundo amorfo, procuro, com voraz insistência, ouvir os sons e seus jocosos remendos invocados nas cordas vocais da dita mulher e guardar essa alma dentro dos meus sentidos… só assim guardarei o pouco que resta das nossas coisas primeiras que, aos poucos, morrem neste desvario espelho de água que se parte, levando assim a pouca água de uma atenção ulterior. Emerge, como uma névoa solitária, o vazio de não saber onde jazem os nossos antepassados espirituais… as nossas coisas pequenas… a pertença da nossa alma… a alma da nossa pertença… a conjugação do nosso eu com a comunidade… o mais genuíno dos sentidos… o primordial…

Causas artificiais de um nascimento

Necrópole dos meus sentidos… Esta cidade me atormenta… fui nela que depositei as minhas esperanças de um mundo melhor… foi nela que aprendi a suplantar o mero mecanismo de viver. Não pretendo dizer que sei tudo o que o mundo contém. Não pretendo com isto afirmar que atingi aqui o meu futuro histórico ou que atingi todos os laivos separados das essências naturais… foi somente o espaço em que aprendi a sonhar com o humano deixando de lado as sinopses da ingenuidade pura e juvenil… Agora devo fugir dos seus meandros… Por mais que lhe deva a claridade de pensamento e a eterna juventude revista em cada canto, ela só vive do pretérito como repositório de almas juvenis…
Sem se afirmar para o futuro, vive de um passado decrépito e indulgente, onde um nome sonante vale mais que todas as almas que se dispõem a labutar para um devir real…Oxalá se levante… e ande… faça no tempo que virá o que nunca fez no passado… não olhar para os errantes furtivos (i)letrados como homens de mera passagem, eternos repositórios de dinheiro ambulantes, mas com a clareza de quem lhes ensina que o mundo não acaba para além do Mondego…