terça-feira, 23 de novembro de 2010

O senhor Antunes no Hospital

Um bom livro, mas não é o melhor do senhor Antunes, ao contrário do que vi escrito em muito jornal e revistas. Opiniões. Mas é do senhor António... e um livro mediano do senhor Lobo bate qualquer coisa que seja publicada neste país e que tenha a pretensão de ser literatura. Este homem merece todos os prémios do mundo, se bem que de prémios está o mundo literário cheio. Para mim o próximo Nobel português. Ao mesmo nível do outro, o sábio que vimos partir este ano e que nos deixou as melhores parábolas de sempre. Este descreve a mente humana, portuga de nascença, como ninguém.

Brigada Victor Jara - Cantiga do Bombo



Brigada Victor Jara - Cantiga do Bombo

Fraile Cornudo - Galandum Galundaina

 

Fraile Cornudo - Galandum Galundaina

as primeiras coisas eram verdes ou azuis


as primeiras coisas eram verdes ou azuis, como água pela cintura;
duras esmeraldas umas, outras animais, vibrantes
quando lhes toca a luz; o mais das vezes encostados
à parede do estábulo, com grandes olhos húmidos
e um precipício ao fundo ( e as nuvens são o seu bafo).
e no entanto, visto à distância exacta, tudo se transforma:
o cenário do mundo é só um infinito espaço
cheios de coisa nenhuma, e a luz o puro efeito
de dois deuses menores que marcam o compasso.

é certo que, na chuva, o teu corpo anuncia
com seu distante olhar, um prazer que não cabe
na estreiteza da fábula; um céu, não duvidemos,
acolhe o terno gesto que não foi.
já na parede a meio branca traço, a contragosto,
o tempo mal passado que apodrece, e numinante encosto
ao tampo de água o bico ou pincel fosco
onde surgira, de repente, nada.

os portões oscilam, e a erva adiante, se nos aproximamos.
claramente vejo como te divides
num infinito número simultâneo de mundos.
as palavras celebram, mudas, a água na paisagem,
verde ou azul, conforme desejaste.
avanço imóvel, descalço sobre a erva,
e quando fecho os olhos invade-me a luz por dentro
compacta, completa, como as coisas primeiras.

António Franco Alexandre