sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Um vício estúpido...

Quando acabo de ler um livro que gosto, procuro, logo de seguida, toda a obra do autor em questão e inicio uma leitura desenfreada dos seus romances, contos, poemas e diários.

Acham isto sadio?

Depois do ciclo Herberto Helder, José Saramago, Miguel Torga, entrei na escrita de Lobo Antunes e não consigo parar...

Por agora devoro o Conhecimento do Inferno

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Lendo o livro Os Cús de Judas



No momento em que os seus joelhos se afastarem docemente, os cotovelos me apertarem as costelas, e o seu púbis ruivo descerrar as pétalas carnudas numa húmida entrega de valvas quentes e macias, penetrarei em si, percebe, como um cachorro humilde e sarnento num vão de escada para tentar dormir, procurando um aconchego impossível na madeira dura dos degraus, porque o tipo de Mangando e todos os tipos de Mangando e Marimbanguengo e Cessa e Mussuma e Ninda e Chiúme se erguerão no interior de mim nos seus caixões de chumbo, envoltos em ligaduras sangrentas que esvoaçam, exigindo-me, nos resignados lamentos dos mortos, o que por medo lhes não dei: o grito de revolta que esperavam de mim e a insubmissão contra os senhores da guerra de Lisboa, os que nos quartel do Carmo se cagavam e choravam vergonhosamente, tontos de pânico, no dia da sua miserável derrota, perante o mar em triunfo do povo, que arrastava, no seu impetuoso canto, como o Tejo, as árvores magras do Largo. (...) Não era o rancho que estava em causa, percebe, to­dos comíamos o mesmo alimento turvo, quase podre, que as crianças da sanzala, munidas de latas ferrugentas, desejavam com grandes órbitas côncavas de fome penduradas suplicantemente do arame, era a guerra, a cabronice da guerra, os calendários imóveis em intermináveis dias, fundos como os tristes e suaves sorrisos das mulheres sozinhas, eram as silhuetas dos camaradas assassinados que rondavam as casernas à noite conversando conosco na pálida voz amarela dos defuntos, fitando-nos com as pupilas magoadas e acusadoras dos esqueléticos cães vadios do quartel. Os soldados acreditavam em mim, viam-me trabalhar na enfermaria os seus corpos esquartejados pelas minas, viam-me à beira dos beliches se tiritavam de paludismo nos lençóis desfeitos, de modo que, sabe como é, me cuidavam um deles, pronto a encabeçar a sua zanga e o seu protesto, assistiram à minha entrada na caserna onde um homem se trancara brandindo uma catana e ameaçando matar toda a gente e a si próprio, e viram-me sair com ele, momentos depois, a soluçar no meu ombro abandonos de bebé disforme, os soldados julgavam-me capaz de os acompanhar e de lutar por eles, de me unir ao seu ingênuo ódio contra os senhores de Lisboa que disparavam sobre nós as balas envenenadas dos seus discursos patrióticos, e assistiram enojados à minha passividade imóvel, aos meus braços pendentes, à minha ausência de combatividade e de coragem, à minha pobre conformação de prisioneiro.

António Lobo Antunes, Os Cús de Judas

sábado, 18 de agosto de 2007

Dedicatória [2]



Chega de Saudade, Tom Jobim/João Giberto

Para M
[Obrigado pela semana... nh*m* t]

Memórias de um espaço de memória, MMC (1911-1965)



Vamos lá acabar com isto... Já não consigo olhar para a minha memória destes últimos dois anos sem me deparar com esta imagem... os espaços não são meus, mas fazem parte integrante da minha missão e ela terá um termo em breve, muito em breve. Tenho que avançar com a vida e procurar um outro objectivo. Sair da depressão que afecta a capacidade realizadora e terminar o que já há muito deveria estar terminado. A alma de quatro paredes históricas contendo, agrupados em diversos continentes artísticos, antanhos de ultrora que não pertencem à minha identidade matricial, sairá de vez da minha mente. Abrirei de novo um alçapão para a felicidade... Viver Duarte Viver... diz uma das minhas vozes interiores.
Sim eu seguirei, viverei, afinal se não foi desta paragem que o futuro encerra, terminemos então o objectivo. Fecharemos a porta depois de completar a escrita e arguir um dado pesado de pretéritos e caminhemos a diante... Eis um novo espaço.Um caminho uma nova paragem...

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Natália Correia- contra esta poucos se atreveram a piar



O acto sexual é para ter filhos
- disse ele
Um poema de Natália Correia
a João Morgado

Já que o coito- diz Morgado-
Tem como fim cristalino,
Preciso e imaculado
Fazer menina ou menino;
E cada vez que o varão
Sexual petisco manduca,
Temos na procriação
Prova de que houve truca- truca.
Sendo pai de um só rebento,
Lógica é a conclusão
De que viril instrumento
Só usou – parca ração!-
Uma vez. E se a função
Faz o ógão – diz o ditado –
Consumada essa excepção,
Ficou capado o Morgado.



Um poema declamado por Natália Correia (no seu papel de deputada do PRD) na Assembleia da República (dia 3-4-1982) em honra às estas declarações de João Morgado (CDS): O acto sexual só é legítimo tendo em vista a procriação.

domingo, 12 de agosto de 2007

uma urze contemporânea





Entrei nos teus diários e na criação do mundo... o teu.
Não merecias o que te estão a fazer. A cidade mamã dos bachareis, que tu tanto criticaste, pendurou-te num plástico a forrar autocarros e falam de ti com uma hipocrisia que mete nojo...Tudo o que disseste e excomungaste nesta aeminium cruel e atávica... continua e continua e continua...

O Portugal negro, bolorento não acabou... multiplica-se mesmo depois da pseudo-transmutação pudim flã instantâneo do folclor revolucionário pós-Abril.

O Portugal lírico em natureza e humanidade, que tão bem descreveste, esse jaz decrépito, abandonado pelos seus... angustiados...

Tu não mereces isto.

Que se f***m esses comemoradorezinhos hipócritas de m***a... não te conhecem... eles não te conhecem...

[mais calmo]

tu não mereces isto

Imagem com gente dentro [12]




Adro da igreja de Nossa Senhora do Monte, 14 de Agosto de 1912

Nossa Senhora do Monte
Tem um moinho na mão
Para moer as mentiras
Dos romeiros que lá vão


Adágio popular


Também já fui moído no Monte...não. Não foram as mentiras, mas sim pela curiosidade natural de ver um povo que sai da sua vida quotidiana e se religa ciclicamente ao seu afecto primordial ... a festa... o líquido dionisíaco do ser humano. A romaria e as promessas... uma economia de troca entre o ente pedinte e o sagrado. Subir às escadas do santuário albo e olhar em volta. Ver no fundo a cidade do Funchal vazia e ao pé de mim o povo que toca e beija um manto de uma mera escultura policromada. Eu sei... pensamentos meus que não retratam o dos fieis.

sábado, 11 de agosto de 2007

Um Rosto de Palavras



Poeta do mundo...Poeta da palavra física...Poeta da metafísica musculada... Tão só um homem. Desde Fernando Pessoa que não se lia algo assim...o melhor poeta português vivo.

P.S.:Não é por ser madeirense (como se isso para mim fosse alguma coisa...). É por ser, somente, ser. A vida e as opiniões... mas não tou sozinho!...

Schubert aos olhos de um virtuoso Liszt



Confesso que não aprecio o reportório de Liszt embora tenha de dar o braço a torcer às suas transcrições, principalmente às de Schubert, Beethoven e Wagner.
Desses três não sei qual prefiro. O primeiro é o espírito humano que se demonstra de forma simples, despojada, límpida. O segundo fala ao homem e a sua interligação com a humanidade. O terceiro... bem este... eu não seria seu amigo. Detesto os pensamentos, a prepotência e o antisemitismo acérrimo, mas a sua música... leva o ouvinte a absorver os meandros psíquicos das personagens representadas. As óperas wagnerianas são verdadeiros tratados da condição humana... a consequente variação entre o bem e o mal...
Liszt, nas referidas transcrições, reproduz a essência de cada um deles introduzindo subtis ormanentos da sua grande virtuosidade pianística.

Por agora Schubert...