sexta-feira, 1 de junho de 2007

Apelo à minha consciência [3]

Dá-me uma ajuda, ó médico das almas
para escolher em que combate combater
Quem condeno eu à vida
Quem condeno eu à morte
Que me podes tu dizer

Encostado à árvore do tempo
Folhas mortas, folhas vivas, estações
Nada disto faz sentido
E o sentido do sentido
Não paga as refeições

Este torpor só tem uma solução
Sejamos deuses, é meter as mãos à obra
E no fazendo acontecendo
Deixar ir o coração
Que é o que nos sobra

Ao fazer-se, o mundo nasce de si próprio
Ser avô é uma alegria atravessada
Dá p'ra rir e p'ra chorar
Não temos nada com isso
E o nada não é nada

Disseste um dia que tudo vale a pena
Tornar as almas mais pequenas é que não
Vamos sobre duas patas
Juntar as partes da antena
Espalhadas pelo chão

Fecha a porta que vem frio lá de fora
Diz o coxo aos despernado, e eu aqui
Fui à procura de mim
Encontrei-me mesmo agora
E ainda não fugi

O tempo corre por entre pívias e manhas
E tudo fica cada vez mais como está
Mas ao correr desta pena
Não fico à espera que venhas
Eu já sou o que virá

Emigrantes da quarta geração (carta a J.C.), José Mário Branco

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