sexta-feira, 26 de março de 2010

Como todas as canções são de intervenção

Não existe neutralidade na canção. Tenho pensado muito nisso por causa dessa treta de nos chamarem cantores de intervenção. Chamarem-nos cantores de intervenção é uma forma de desresponsabilizar os outros que não o são. Parece que, normal é uma pessoa não intervir, não se meter nessas coisas. Quando qualquer ocupação do espaço social – em cima dum palco, num disco, num tempo de antena [...] – é relevante do ponto de vista da nossa relação com a comunidade. Portando, não há neutralidade nisso. Se eu ficar a cantar baboseiras, parvoíces, ou coisas completamente anódinas que contribuam para estupidificar as pessoas, etc, eu estou a intervir, sou activo na mesma, estou a dizer: “É pá, ficas quietinho, não faças nada. Tu és um escravo. Não levantes a garimpa, continua isso, nasces, morres, e continua o processo. Não faças nada.” Outros, seja a falar de amor, seja a falar das relações sociais, seja a falar de poesia – das grandes coisas da alma humana -, exprimem-se, entregam-se, questionam-se. Isso, quando passam para si e para os outros[tem um efeito].

José Mário Branco no Programa Bairro Alto da RTP 2. Pode ser visto aqui

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