quarta-feira, 14 de julho de 2010

Trilogia


Fausto e Orlando Costa- Excerto da Peça de Teatro Fernão Mentes & A Voar Por Cima das Águas (Por este rio acima).


Fausto Bordalo Dias está a terminar a trilogia musical baseada em textos da História dos descobrimentos portugueses. Aos senhores que pensam retirar destas canções laudas e hagiografias a Infantes e heróis incensados por uma certa historiografia estatal, positivista e mofenta, muitas vezes oficializada e ouvida em bocas de gente que valha-nos deus (com letra pequena e está muito bem assim...), o portugalzito dos quatro mares pintalgados e dos senhores de turbante e bigode retratados em painéis (ditos de São Vicente) que não são mais do que a porra nenhuma e que muita tinta já correu e correrá (estou a divagar...). Voltando à vaca fria... Sim meus senhores, enganam-se redondamente. O autor não incensa ninguém. É pura música, e da melhor (agora incenso eu... mas este senhor merece). Fausto parte da documentação escrita na época dos descobrimentos (1.º Peregrinações, de Fernão Mendes Pinto [o que eu sonhei quando li este livro] 2.º História Trágico-Marítima de Bernardo Gomes de Brito, 3.º cronistas como Gomes Eanes de Zurara [escrevi uma tese a bater neste senhor. Sim, é um plagiador da Virtuosa Benfeitoria do Infante D. Pedro e não só... até mete dó], Cadamosto, Conde de Ficalho, André Álvares de Almada e P. Francisco Álvares) e constrói um conjunto de canções que têm por base a raiz da música popular portuguesa. Verdadeiras obras primas saíram nos dois volumes já lançados. Desde o "Barco Vai de Partida", à "Ilha", do "Ao som do mar e do vento" (absolutamente brilhante) ao "Na ponta do cabo", passando pelo lirismo em ritmo de adufes do "Lembra-se um sonho lindo" e das influências exóticas do "Porque não me vês" e do "Por este rio acima". Este último foi o título escolhido do primeiro volume, inspirado nas histórias fantásticas de Fernão Mendes Pinto. Constitui-se numa verdadeira pérola da musica popular portuguesa, reconhecida para além fronteiras. Alguns anos atrás (era eu caloiro na UC), um colega italiano, adepto de serões no La Scala (sim, o de Milão),passava a vida a trautear o "Como um sonho acordado" e pediu-me encarecidamente para traduzir a letra para inglês. Depois da tradução feita (nessa altura não existia o tradutor rasca do Google) ele olhou para o papel e disse: "É isto, é isto mesmo... com esta música não podia deixar de ser isto...."(não, foi da minha tradução, que não estava assim tão má... vá lá... não me chateiem...). Horas depois chegou ao pé de mim com o Peregrinações por debaixo do braço. O segundo volume, intitulado "Crónicas da Terra Ardente" não foi tão reconhecido pelo público. É o meu preferido (para muitos, o que afirmei agora é a mais pura das heresias). Explico. A História Trágico Marítima (uma obra extremamente interessante) não é tão conhecida como o Peregrinações e, muito menos tem o espírito sonhador do Fernão Mendes Pinto (muito bem desenhado nas canções feitas por Fausto), embora tenha imagens muito fortes, com a descrição sucessiva dos naufrágios de algumas embarcações e a tentativa, desesperada, dos tripulantes sobreviverem ao massacre do mar. Estes cenários apocalípticos são esplendidamente invocados pela música e letra do cantautor, como por exemplo na canção (um verdadeiro tratado da musica popular portuguesa) "Na Ponta do Cabo" ou então no remorso do "Manuel de Sousa Sepúlveda" e até mesmo na quase cinemática "A Chusma salva-se assim" (Gaspar Ximenes calado/ Não chores alto cuidado/ Tu chora só no coração/ Senão vais como o teu irmão/ Ás arfadas/ Aos arrancos em prantos/ E às golfadas...). Pena que as misturas do álbum e o próprio estúdio não sejam grande coisa. Mereciam o melhor estúdio do mundo para gravar o que considero ser um dos melhores álbuns de sempre! Quem me dera que fosse gravado nos estúdios da Real World do Peter Gabriel, aí queria ver qual dos dois álbuns seria o melhor (e com isto não pensem que não gosto do primeiro... não, gosto mais das canções do segundo). O 3.º volume da trilogia sairá no final deste ano. Lá vou queimar o meu ourinho todo... todinho. Lá terá de ser. O mais interessante, para além da letra e da música (obviamente), é a escolha dos trechos e dos cronistas dos descobrimentos. Por dever de ofício, conheço quase todos e li alguns dos registos históricos dos autores já apontados pelo programa do espectáculo que Fausto deu no CCB, onde descortinou mais de meia dúzia das canções que constarão no próximo CD. Que venha... que venha....

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